Andando
sobre aquele asfalto surrado, a cada passo que dava reunia em minha mente uma
série de emoções. Sussurrava coisas para mim mesmo, queria sentir-me frio o
bastante para continuar sussurrando.
Ao meu redor tinha pessoas
tristes, cansadas e pálidas, tinha um dia triste e cabiam ainda muitas outras
expressões àquelas pessoas, àquele dia. Sentia o sol correndo em outra direção,
as cores se desfazendo e misturando àquele semblante desolador.
Virei à esquina e logo me
sentei numa calçada, não uma calçada qualquer. Ah! Aquele lugar sim me parecia
familiar, pois era ali que me entregava aos infinitos pensamentos, me entregava
ao único desejo de querer me sentir bem ou de somente estar.
Acima, um céu impetuoso, um
céu que jorrava chuva. Pingos me atingiam o lombo e só me davam uma única
certeza: preciso me levantar daqui, preciso alimentar a sede de seguir por aí,
somente seguir, já que não conseguirei enxergar o mundo pelas costas e já que o
mundo não é tão perfeito assim como parece e que o imperfeito é tão mais normal
que o seu antônimo, preciso me cuidar para não ser pego de supetão pelas minhas
‘costas’. Espero que faça sentido isso ao menos, porque além do nexo, sabia que
faltava algo mais, algo capaz de me preencher, de te preencher, algo de nos completarmos,
talvez como antes, um antes que ‘talvez’ não tenha existido.
Aos poucos vou me
desfragmentando desse cataclismo de dores e mágoas, aos poucos vou me
recompondo, vou revivendo e reinventando. Sou falho, sou refém de sentimentos
eloquentes, estou preso num ciclo que criei e me pergunto: Como pude? Como fiz?
Como? (...)
Continuarei a escrever
enquanto não tiver respostas para minhas perguntas.
Queria que não estivesse
amando, não enquanto eu não fosse capaz de retribuir, queria vivenciar outra
parte da história, queria saber de um futuro, do nosso futuro, assim eu
transpareceria menos ansiedade e euforia.
Peguei então um caderno que
trouxera comigo. Já estava quase sonhando, estava quase penetrando naquele
mundo surreal que você me ajudou a criar. De repente parecia que o destino, o
tempo, o dia, as palavras carinhosas daquele caderno, a chuva e até a árvore que
me acobertava e que derrubava folhas e finos pingos de chuva, exatamente tudo presente
conspirava a meu, ou melhor, a nosso favor.
Um segundo, uma voz, bastou
isso apenas para que os batimentos do meu coração se triplicassem, a sensação
de tremor desceu às pernas, um piscar de olhos, já sentia minha pupila se
dilatando, naquele momento meu corpo estava vedado de adrenalina. O pensamento
logo ecoava as mesmas palavras que você dizia numa intensidade tamanha e se
embaralhava com muitos outros que iam sendo produzidos e reproduzidos de uma maneira
descompassada e divertida.
Tão íntima de mim e tão
confiante do que estava querendo fazer, fitou-me por um instante e sentou-se ao
meu lado, bem próxima entrelaçou um dos seus braços ao meu pescoço. Sabíamos
que estávamos sendo consumidos por um sentimento de ansiedade, os seus olhos
escorriam sobre o caderno que estava em meu colo. Novamente sentia meu corpo
sendo tomado por aquela adrenalina, acho que desta vez numa dose muito mais
forte. Minhas mãos suavam, eu estava quente, vermelho como romã e ela,
totalmente tranquila, folheava páginas, observava cada detalhe, vez ou outra
soltava um riso tímido. Observava-a intrigado e lisonjeado, sentia no fundo a
necessidade de dizer que tanto eu a amava, mas era só vontade.
Agora já sentia meu corpo
estabilizado. Senti desfeito o laço em meu pescoço, agora só eu estava sentado
também. Você estava de pé, via a chuva caindo e balançava o rosto de lá para
cá, como se estivesse lamentando aquilo, parecia que almejava tanto o céu
limpo, seus olhos percorriam alguns quilômetros ao redor, fazia um giro 360º.
Estávamos nós dois de pé, juntos, frente a frente, ficamos assim durante alguns
instantes sem dizer nada, o que prevalecia era só aquela sensação de leveza, o
ar quente de nossas respirações misturadas. Suspirei fundo, logo meu coração
estava a mil de novo, não dei tanta importância, segurei forte em suas mãos,
tentei dizer algumas palavras, as mais sinceras, as mais bonitas mas gaguejei.
Fui interrompido, nossas mãos já não estavam mais presas uma na outra, sentia
que uma delas passeava pela minha face, meus olhos estavam fechados, a outra mão
deslisava por minhas costas, num movimento contornado e leve, os meus lábios
insistiam em encontrar com os dela assim como nossos corpos se encontravam,
naquela sintonia maravilhosa e perfeita, e quando consegui o fazer, me
entreguei como se nada mais existisse, como se nada mais tivesse importância,
como se o universo fosse nosso, somente nosso, queria viver, saborear e
desfrutar aquele momento, queria também que minha memória registrasse tudo nos
maiores e melhores detalhes, queria tudo arquivado na minha mente para depois
poder reviver tantas e quantas vezes fosse possível e necessário, quantas vezes
desse vontade.
Quando abri os olhos,
parecia que tinha o mundo se deslocado, estava mais bonito. Ainda chovia, mas
não era atordoante mais, a brisa nos alimentava, o chão nos sustentava e o céu
nos cobria. Me entreguei demais, vivi demais, me apaixonei demais, tive medo,
tive desejo, me senti inseguro, me senti só, teve quando estive triste, alegre,
feliz, completo, incompleto, nostálgico, amargo feito fel, teve quando estava
enfurecido, quando me senti em paz, quando consegui repousar em meus sonhos.
Teve dias em que meu pensamento estava entorpecido demais, ora por tantas
coisas nele contido não ter nexo, outrora por não ter nada. Chorei, gritei,
magoei, me magoei, errei, acertei, ganhei. Fiz de tudo sem ter que seguir
certos estereótipos, sem ter que me moldar, sem ter que me cobrar demais, fiz o
melhor que pude e estive longe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário